Artífice da causa feminista, dedicou sua vida a luta pela equidade de gênero. Presidente da revista Persona Mulher, feminista, jornalista, advogada, uma mulher de vida multifacetada, faleceu na última terça-feira, 29 de dezembro, no Rio de Janeiro. Desde o ano de 2016, a jornalista lutava bravamente para superar os sintomas da esclerose lateral amiotrófica (ELA), uma enfermidade neurodegenerativa, ainda sem cura.
O adeus a Maria Lúcia Pizzolante…
Dona de um espírito irreverente, no auge dos seus 20 anos, com o slogan: “Corra que o novo mundo está atrás de você”, Maria Lúcia, de boina vermelha e bandeira preta do anarquismo, marchou pelas ruas do Quartier Latin, em Paris, mesmo ciente de que os estrangeiros participantes das manifestações eram expulsos da França. Não se importava, a causa era maior. “Éramos todos muito jovens, insubordinados, insensatos, puros e idealistas”, costumava lembrar.
E foi imbuída deste espírito combativo e destemido, o qual sempre conduziu a sua vida, que ao voltar para o Brasil no início dos anos 1970, resolveu se candidatar a vereadora em São João do Meriti. Influenciada pela mãe, Sara de Marins Fontes de Ávila, que por 16 anos foi a vereadora mais votada de Meriti, sendo uma das primeiras mulheres a fazer parte do cinerário político do país.
Ao seguir os passos da sua progenitora, foi eleita a vereadora com o maior número de votos de São João de Meriti., para um mandato tampão de outubro de 1970 a 1972. Sem internet e celular, sua atuação atravessou fronteiras. À época, com vinte poucos anos, pesando 38 quilos e com 1,54 cm de altura, agigantou-se. No dizer do então governador do estado do Rio de Janeiro, Raimundo Correia: “era o único homem de Meriti”.
Como presidente da câmara de vereadores, após denúncia de corrupção, aceitou o processo de impeachment do prefeito e com o plenário conflagrado, em um momento de tumulto, fechou a Câmara de São João de Meriti e a manteve fechada até decisão do judiciário.
Além disso, acabou com um esquema de concurso fraudulento e de nomeações e aposentadorias. Foi um Quixote de saias, derrotada arbitrariamente por um complô armado por seus adversários políticos que cassaram seu mandato como presidente da Câmara. Frente a isso, desiludiu-se e resolveu abandonar o fazer política. Mas saiu fortalecida. A jovem que aprontara em Paris se transformou em uma mulher consciente de sua cidadania.
Consciência que a levou a participar ativamente da Campanha Nacional Pró-Divórcio. Em maio de 1977, ao ver pela janela do seu escritório de advocacia, no centro do Rio de Janeiro, uma grande passeata, promovida pela Igreja Católica, como alerta contra a aprovação do divórcio, que, segundo eles, iria acabar com a família brasileira. Argumento que foi utilizado pela igreja por mais de 30 anos contra a lei do divórcio, pensou: “Mas e os que são a favor, não vão fazer nada?”.
Irreverente e destemida, resolveu tomar uma medida inversa. Para a imprensa, encaminhou um release, convocando os defensores do divórcio para uma reunião no dia 27 de maio, no Clube dos Advogados, no Rio de Janeiro. O encontro marcou o início da Campanha Nacional Pró-Divórcio, e contou com a participação do senador Nelson Carneiro.
Em poucas semanas, a campanha recolheu milhares de assinaturas e enviou a Brasília 16 ônibus lotados de divorcistas para acompanhar a votação da proposta. Com 226 votos a favor e 159 contra o divórcio substituiu o desquite. “Foi uma grande festa, em que pela primeira vez, em regime militar, o plenário tinha sido lotado por uma causa de interesse das famílias brasileiras, que reivindicavam o direito de ter uma segunda união legalizada. E eu estava lá!”, relembrava.
Com a nova lei do divórcio, seu escritório transformou-se na meca de muitos que queriam legalizar suas situações para voltarem a se casar. Assim, tornou-se especialista em Direito de Família.
Em meio a essa constatação, partiu do senador Nelson Carneiro o convite para concorrer como deputada estadual no pleito de 1979. No entanto, como seu título era de São João de Meriti e por lá ter feito muitos desafetos políticos, num domingo fatídico, em que se realizou a nomeação, na calada da madrugada, todos os deputados estaduais da baixada fluminense exigiram sua cabeça, argumentado que sua candidatura seria um vendaval a acabar com eles.
Assim, deixou de ser deputada estadual, sendo, mais uma vez, solapada em seu direito por políticos mesquinhos, inexpressivos, comprometidos com a corrupção. Não prosseguindo com seu ideal em marcha na luta pelo bom combate.
Ideal que a levou, anos depois, a abraçar a causa feminina, ao criar o jornal Persona Mulher. Tornou-se, assim, uma das pioneiras na luta pela equidade de gênero no Brasil. Um veículo, que sempre enalteceu as conquistas femininas, contando a história de mulheres pioneiras que fizeram e fazem história.
Do jornal nasceu a revista Persona Mulher. Um veículo diferente de todas as publicações femininas. Em cujas páginas, durante mais de duas décadas, foram abordados temas como legalização do aborto, exploração sexual, tráfico humano, assédio sexual, mutilação genital, empoderamento feminino, entre tantos outros assuntos tão caros a causa feminista. Suas páginas registraram ainda fatos inéditos da história do Brasil como a participação determinante da imperatriz Leopoldina na independência do país.
Persona Mulher, presidida pela jornalista Maria Lúcia Pizzolante, atravessou o atlântico e fez história em Portugal, onde teve sede em Lisboa, assim como em todos os países de Língua Portuguesa.
Eu que durante 14 anos tive o privilégio de fazer parte da sua história, como jornalista da Revista Persona Mulher, hoje me despedi desta amiga querida. Uma mulher singular, guerreira, que deixou um legado de luta pela causa feminina. Uma biografia que merece ser conhecida.
Vá em paz querida amiga! E tenha a certeza de que sempre serás lembrada como um exemplo de garra, determinação e amor pela vida!