Um dos ícones da cultura nacional, a humorista irreverente transpôs barreiras, com postura de bem com a vida. Relembre sua trajetória:
Há 10 anos, em 19 de julho de 2008, o Brasil se despedia de Dercy Gonçalves, referência do humor nacional, teve uma história de vida difícil, marcada pela fome, abandono e discriminação. Mas sempre munida de garra e determinação, superou os limites e os padrões do supostamente correto. Irreverente, ultrapassou as dificuldades com humor e enfrentou a vida de peito aberto. Aos 17 anos, saiu de casa para cair no mundo. Sem papas na língua, aos 93 anos foi condecorada pelo ministro da Cultura, Francisco Weffort. Na ocasião, declarou: “gora palavrão é chique. Antes, eu tinha carteirinha de puta, agora sou intelectual”.
A maneira descontraída de ver e enfrentar a vida foi sua marca registrada. Graças a essa determinação, venceu a falta de dinheiro, a rejeição, a solidão e até um câncer no estômago. Subiu num palco pela primeira vez para imitar Vicente Celestino. E nunca mais desceu. Depois de vencer preconceitos, ao ver seu talento reconhecido, passou a afirmar sem hesitar: “Até hoje nunca me envergonhei de nada que fiz, não tenho nada que me desabone”. Aos 83 anos, saudada no carnaval pela Escola de Samba Viradouro, em 1991, desfilou com os seios de fora. Morreu em 19 de julho de 2008, aos 101 anos de idade.
Fosse atuando, cantando ou fazendo humor, a atriz encantou diversas gerações ao longo de seus 101 anos de vida. Nascida, Dolores Gonçalves Costa, em 23 de junho de 1907, explicava a escolha do nome artístico em entrevista ao Roda Viva, em 1995: “Sempre usei Dercy Gonçalves, desde que saí da minha casa. Porque em primeiro lugar eu tinha medo do meu pai. De meu pai não deixar, não querer. Porque era ser p*** ser artista. Então tirei logo meu nome.”
“Botei Dercy, porque a dona Darcy Vargas era uma mulher muito importante na época, como sempre foi, e eu gostava do nome dela. Aí dona Maria Castro [falou]: ‘Bota Darcy’. Mas já tinha um Darcy, Darcy Casarré [ator]. ‘Ah, bota ‘Der”. E fiquei”, complementava, citando a ex-primeira-dama do Brasil e a dona de sua companhia de teatro.
Confira abaixo uma galeria com momentos marcantes ao longo da trajetória de Dercy Gonçalves, e, em seguida, alguns vídeos relembrando sua carreira:
Carnaval. Em 1991, chegou a ser homenageada pela Viradouro com no enredo Bravo, Bravíssimo: Dercy Gonçalves, o retrato de um povo. Na ocasião, apareceu na avenida com os seios de fora, aos 84 anos de idade.
Relembre o samba enredo feito para Dercy:
Cantora. Ouça também algumas músicas entoadas por Dercy ao longo de sua carreira:
Frases. Relembre alguns pensamentos da atriz:
*frases retiradas de entrevistas aos programas Roda Viva e Gente de Expressão.
Dercy por Dercy. “Sou muito desaforada, muito malcriada. Sou atrevida mesmo, sabe? Não levo desaforo pra casa de ninguém. De boca, briga de tapa eu não gosto, não”.
“Sou uma mulher independente, nunca mais precisei de dinheiro de homem. Eu ganho, resolvo meus problemas, decido minha vida, não gosto de conselhos. Não sei se agrado. Se eu desagrado sendo assim, f***-se.”
Quem é sua herdeira?. “Não tem herdeira. Igual a mim não tem, igual ao Pelé, não tem. Podem fazer o gênero, aquilo que Dercy Gonçalves fazia e era chamada de ‘p***’, ‘bota essa mulher na cadeia’. Meus filmes eram assim, eu tinha medo de sair na rua, ‘não presta, é uma m***’… E hoje é cultura essa p*** toda!”
Momento em que Dercy mostrou os seios em pleno programa de Hebe Camargo.
Humor. “Não acho graça em ninguém. É tudo tão superficial. Pensam que sair vestido de mulher, de veado, ficar dando porrada um no outro, isso que é comédia? Comédia não é isso.”
Mulher. “A mulher cômica é discriminada. Eles gostam mais do homem. O homem engraçado é atraente, a mulher cômica tem uma discriminação. Eu, como nunca andei atrás de homem, não me faziam falta nenhuma, eu nunca dei importância a isso. Mas que tem discriminação, tem. Pra qualquer negócio não chamam mulher, chamam um homem. Só quando não tem nada a mais pra fazer.”
“Eu adoro ser mulher. Sou uma feminista nata e sem título. Eu gosto de ser mulher, aprecio minha atitude, gosto de ser vaidosa, imagina se eu fosse homem? Podia botar colar, brinco, perninha de fora, meia de seda? Era tudo discriminando. É lindo ser mulher. Mulher que pare! Quer coisa mais linda você ser criadora do mundo? Mulher tem um valor espetacular. Como vou querer ser homem? P***, enfia aquela banana e não faz mais nada!”
“Acho elas [feministas] umas babacas. Porque as feministas ficam com um idealismo falso. Elas não enfrentam. Todas tem marido, são cortejadas, resguardadas. Vai enfrentar a vida como eu enfrentei, sozinha no mundo sem mãe, sem pai, tive um ano quase no sanatório.”
Estilo. “O meu estilo eu criei, permaneceu, e é o que tá comandando. O estilo não era esse, não, meu bem. Duvido que uma atriz qualquer dessas aí, classuda, que não assoa o nariz, aceitasse levar um pastelão na cara, dar uma gargalhada, levantar as pernas, deitar na cama de mal jeito, eu duvido. Esse é meu gênero, irreverente, que lancei, que tenho muito orgulho de ser a professora desse gênero do meu país.”
Conversas com Dercy. Para matar a saudade, há diversos materiais envolvendo Dercy como convidada disponíveis na internet. Relembre a íntegra de alguns abaixo:
1987 – Roda Viva (TV Cultura):
1987 – Show de Calouros de Silvio Santos (SBT):
1993 – Gente de Expressão (TV Manchete):
1995 – Roda Viva (TV Cultura):
1997 – Jô Soares Onze e Meia (SBT):
1998 – Em Nome do Amor (SBT):
2002 – Programa do Clodovil(Gazeta):
2007 – Gordo Visita (MTV):
Relembre também o especial Bravo, Bravíssimo, estrelado por Dercy na Globo, em 1991:
Morte.Dercy morreu às 16h45 do dia 19 de julho de 2008, no Rio de Janeiro. Durante a madrugada, havia sido levada a um hospital de Copacabana, com sinais de pneumonia comunitária grave, que acabou evoluindo para uma sepse pulmonar e insuficiência respiratória.
Cerca de 5 mil pessoas compareceram ao enterro da atriz, em 22 de julho, lotando o cemitério da cidade de Santa Maria Madalena, onde nasceu, na região serrana do Rio de Janeiro. Durante a cerimônia, foram cantados sambas em homenagem à atriz.
Fonte: Arquivo Persona Mulher e Estadão
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