Cultura

O romancista Jorge Amado foi responsável por dar vida a algumas das mais célebres figuras femininas da literatura brasileira como Gabriela, Tieta e Dona Flor. Escritor atemporal, foi e ainda é lido por todas as idades nos mais de 55 países onde teve sua obra traduzida. Mas não era só em seus livros que o sexo feminino ganhava destaque.

| A Musa de Amado

Zélia Gattai, sua esposa e também escritora, com quem manteve uma união de 56 anos, além de musa, foi crítica, assistente e revisora de suas obras. Era ela quem revisava os textos do marido, assinalando seus erros de português, além de dar palpites sobre o destino da trama e dos personagens. Em entrevista concedida em 1990, o autor brinca: “Eu escrevo muito mal. (…) Quem palpita é Zélia, porque vive ao meu lado. Sou mau datilógrafo. Só escrevo com dois dedos. (…) Quando parece que o texto ficou do meu agrado, Zélia bate à máquina uma cópia que ainda vou ler e reler. É aí que ela dá palpite”. Fora Zélia, a filha do casal, Paloma, também era uma das poucas que tinha acesso aos textos do pai e o direito de palpitar.

Mesmo com tanto envolvimento com as obras do marido e prestando todo o suporte, Zélia Gattai foi capaz de trilhar, à sua maneira, o seu próprio caminho. Em 1979, aos 63 anos de idade, ela estreou na literatura com o livro de memórias Anarquistas, Graças a Deus.

A estreia considerada tardia não impediu que fosse eleita, em 2001, para a Academia de Letras da Bahia e para a Academia Ilheense de Letras. No mesmo ano, a escritora foi convidada pela Academia Brasileira de Letras a ocupar a cadeira de número 23, antes ocupada pelo já falecido marido, Jorge Amado.

| As guerreiras de Amado

As narrativas de Jorge Amado giravam em torno das personagens femininas, e não na esfera masculina. A exemplo de Zélia, as mulheres criadas por ele tinham a característica marcante e principal de serem as donas de seu próprio destino, mesmo antes da explosão do feminismo na década de 60. As mulheres de Amado, muitas vezes retratadas como seres à margem da sociedade, já transgrediam e superavam o machismo e os códigos injustos característicos da época e da região onde se passavam as tramas.

Romances emblemáticos como Gabriela Cravo e Canela, Tieta do Agreste, Dona Flor e Seus Dois Maridos e Teresa Batista Cansada de Guerra são exemplos célebres de como o autor retratava com maestria a passagem da mulher de um mero objeto manipulado pelo homem a um sujeito de seu próprio destino, fosse ele amoroso ou profissional. O autor construiu mulheres de força e fibra suficiente para enfrentar a ordem até então estabelecida pela sociedade e inaugurar um novo tempo de liberdade para as mulheres. E teve como inspiração a realidade em que vivia, como confessou ao falar de Gabriela, numa entrevista de 1990: “Queria criar uma mulher que fosse símbolo da mulher brasileira”.

Gabriela, humilde retirante da seca, sem instrução, tem ânsia de liberdade e de agir por sua própria vontade. Na trama, não se adapta à vida em sociedade em Ilhéus, e questiona os costumes extremamente machistas. Casa-se, mas sem entender que a união é sinal de status, e é infeliz com as pressões para que se porte como uma dama. Colocando sempre o sentimento acima de qualquer tipo de interesse material, tem o casamento anulado após uma traição e retoma o posto de amante.

A dificuldade de ser feliz em um casamento formal também aflige Dona Flor. Enfrentando a oposição da família, ela se casa com um malandro. A união de sete anos tem momentos bons e ruins. Após enviuvar, casa-se com um farmacêutico. Entediada com a rotina, Flor inicia uma relação nos sonhos com o falecido, mas sofre com a ideia imposta pela sociedade de que está sendo infiel.

Já Tereza Batista e Tieta do Agreste têm em comum o fato de serem prostitutas, mas com posto de heroínas, quebrando, assim, o estigma que envolve as mulheres da profissão.

| O Centenário

As personagens femininas de Amado são tão célebres que foram escolhidas para compor um Box comemorativo lançado especialmente para a ocasião do centenário. Sob título de “As Mulheres de Jorge Amado”, o Box lançado pela editora Companhia das letras reúne as obras Gabriela Cravo e Canela, Tieta do Agreste, Dona Flor e Seus Dois maridos e Teresa Batista Cansada de Guerra.

A série de comemorações do centenário teve início em agosto de 2011 e vem se estendeu por 2012 no Brasil e no Mundo. O interesse pelo autor no exterior aumentou com a aproximação da data. A Rede Globo, como homenagem à data, lançou a adaptação de Gabriela, que ainda está no ar, por Walcyr Carrasco, com Juliana Paes no papel principal. Nos últimos três anos, foram fechados cerca de 45 contratos com editoras estrangeiras para a publicação de obras do baiano.

A renomada coleção Penguin Classics, por exemplo, lançará, em inglês, A morte e a morte de Quincas Berro d’água e A descoberta da América pelos turcos. O único autor brasileiro publicado antes pela coleção havia sido Euclides da Cunha.