Cultura

Sophia de Mello Breyner Andresen teve um cortejo fúnebre à altura de sua importância. Seu corpo viajou numa arca tumular coberta pela bandeira nacional em um carro escoltado por 23 militares da Guarda Nacional Republicana, num percurso que atravessou a capital portuguesa, passando pela Capela do Rato e pela Assembleia da República, no caminho do rio até o monumento perto da casa da Colina da Graça, onde a escritora viveu.“Uma das personalidades mais carismáticas da nossa literatura contemporânea, cidadã exemplar. Uma referência ética da sociedade portuguesa”, disse o Presidente da República, Cavaco e Silva, quando prestou o tributo póstumo. Na cerimônia, atuou a Companhia Nacional de Bailado, o Coro do Teatro Nacional de São Carlos, e as principais autoridades e personalidades do país, prestando homenagem àquela que depois de Amália é a segunda mulher a receber as honras de heroína da pátria.

Vida e política

Criada numa família que a educou com os valores tradicionais e religiosos de moral cristã, Sophia iniciou o curso de filologia clássica na Universidade de Lisboa. Não concluiu, mas teve a oportunidade de colaborar na revista Cadernos de Poesia, na qual conheceu autores influentes e distintos como Ruy Cinatti e Jorge de Sena. Tornou-se uma figura importantíssima de atitude política liberal, apoiadora da monarquia e delatora do regime salazarista e seus seguidores. Com referência ao amanhecer do 25 de Abril, que simboliza a Revolução dos Cravos, escreveu: “Esta é a madrugada que eu esperava. O dia inteiro e limpo”.

Poetisa, Sophia assumia que a sua escrita estava “concebida para transformar o mundo”. Entretanto, o mundo da ditadura de Salazar não se deixava abalar nem diante dos versos mais cheios de garra, fazendo a escritora buscar outros meios de ação política, empenhando-se na solidariedade com presos políticos e nos momentos inesperados da oposição antifascista.

Em 1946, casou-se com o jornalista, político e advogado Francisco Sousa Tavares, com quem teve cinco filhos. Em 1964, recebeu o Grande Prêmio de Poesia, concedido pela Sociedade Portuguesa de Escritores, pelo Livro Sexto, tendo sido ainda a primeira mulher a receber o Prêmio Camões, o maior galardão da literatura portuguesa. Após a revolução de 25 de Abril, foi eleita para a Assembleia Constituinte, pelo círculo do Porto, numa lista do Partido Socialista, enquanto o marido ia em direção contrária, rumo ao Partido Social Democrata.

Obra

Em 1975, Eduardo Lourenço escreveu para o retrato de Sophia, “a sabedoria mais funda que o simples saber”, tentando demonstrar aquilo que a escritora deixava na vida daqueles por quem passava, inclusive aqueles que a conheciam apenas através do que escrevia. Sophia marcou a vida daqueles com quem conviveu, inspirou todos os tipos de artistas e criou uma geração de novos escritores sedentos pela força da palavra. Deixou um acervo de 37 livros entre contos, poemas e romances. Foram feitas resenhas dela em diversas obras literárias. Agustina Torga e Ruben A. levaram-na para os seus romances. Alice Vieira, Ramos Rosa, Manuel Alegre e João Cabral de Melo Neto prestaram tributos em versos. “A esta palavra sinônimo de poesia, dizemos Sophia, e não precisamos dizer mais nada”, citou em determinado momento Alice Vieira.

Suas histórias foram temas de musicais de Filipe La Feria, para a dança contemporânea de Paula Maçano, entre inúmeras adaptações para o teatro. O escultor Francisco Simões a colocou para sempre numa estátua no parque dos poetas em Oeiras e António Duarte levou o rosto de Sophia, simbolizando a sabedoria que o nome dela inspirava, para contemplar a cidade de Lisboa, no miradouro que também recebe o nome da escritora.

Quem a conhecia sabia que tinha o fascínio pelo mar, daí sua escrita que reflete todo o amor pelas águas. Atualmente, no Oceanário de Lisboa, suas frases estão gravadas nas paredes como se estivessem cravadas, submersas no fundo do mar. Sophia de Mello Breyner Andresen foi uma escritora de alma livre, poetisa, ativista, a mulher que transformou aquilo que é ser mulher em Portugal.