História

A história de uma mulher, líder do cristianismo que causou ciúme dentre os apóstolos, de modo a minimizar sua influência, colocando-a como prostituta arrependida.

Maria Madalena, e seu evangelho apócrifo, dentre outros escritos, foi descoberto em 1945, em Nag Hammadi, no Egito. Apócrifo é um substantivo grego que designa os escritos que não eram usados oficialmente na liturgia das primeiras comunidades cristãs; textos de origem desconhecida; textos não inspirados e por isso, não canônicos. Frei Jacir de Freitas Faria, por outro lado, considera-os, em seu estudo, como textos preciosos, e que, por isso, foram mantidos em segredo. Além disso, ele mostra como os apócrifos complementam os textos canônicos. Em muitos, as mulheres atuam como lideranças marcantes entre os primeiros cristãos. Assim acontecia entre os agnósticos, uma corrente de pensamentos condenado por heresia. Entre eles, as mulheres agiam como mestras e sacerdotisas.

Jesus beijava Maria Madalena

Para compreender Maria Madalena como mulher líder, deve-se fazer uma viagem às origens do Cristianismo e mergulhar na literatura apócrifa, onde são encontradas passagens que mostram uma apóstola, seguidora e amada de Jesus. Uma mulher inteligente, que despertava ciúme em alguns discípulos. O evangelho apócrifo de Filipe afirma: “O Senhor amava Maria Madalena mais que a todos os discípulos e a beijava, freqüentemente na boca. Os outros discípulos viram-no amando Maria e lhe disseram: Por que a ama mais que a todos nós? O Salvador respondeu dizendo: Como é possível que eu não vos ame tanto quanto a ela?” Frei Jacir explica essa passagem: “O beijo também significava comunicar o espírito, o saber. Maria Madalena recebia os ensinamentos do Mestre e tinha autoridade para repassá-los aos discípulos. Jesus e Maria Madalena eram dois espíritos unidos pelo amor ao Reino de Deus e pela paixão. O grande pecado de Maria Madalena foi saber demais. Mas se o beijo era beijo mesmo, em que estaria o erro? Não estaríamos diante de um Jesus mais humano e, por isso mesmo, divino?” O amor entre Jesus e Maria Madalena é notório entre os apóstolos. No evangelho de Maria Madalena, Pedro diz a Maria Madalena: ‘Irmã, nós sabemos que o Mestre te amou diferentemente das outras mulheres”.

O ciúme dos apóstolos

A literatura canônica, a que se tornou oficial na Bíblia, não mostra e ainda desvaloriza a presença e a importância das mulheres. “O que se fez foi criar dois arquétipos de mulheres: Maria, mãe de Jesus, como a mulher pura, livre de todos os pecados e Maria Madalena, a impura, a mulher pecadora. As duas serviram de modelo”, afirma frei Jacir.

Há, no início do Cristianismo, uma disputa muito grande pela liderança e pelo poder. Havia os grupos de Pedro, de Paulo, de Tiago e também o de Maria Madalena. Pedro, nos textos apócrifos, tem ciúmes de Maria Madalena. Ele disputava, de fato, o poder com Maria Madalena. O frei explica que no apócrifo Pistis Sophia, Pedro pede a Jesus que expulse Maria Madalena do meio grupo, porque ela é quem fala o tempo todo, tirando-lhes a oportunidade de perguntar. Pedro pede a Jesus: ‘Meu Senhor, que as mulheres cessem afinal de perguntar, de modo que possamos nós também fazer perguntas’. E Maria Madalena também diz a Jesus: ‘Por isso, eu tenho medo de Pedro: ele costuma ameaçar-me e odeia o nosso sexo’. A opinião de Pedro em relação à Madalena revela quanto o incomodava o protagonismo de Maria Madalena, mulher discípula e apóstola de Cristo. “E ainda devemos considerar que Jesus confirma a liderança de Maria Madalena e a chamava de ‘Bem-aventurada’, isto é, aquela que está em marcha sempre, buscando o reino, quando diz: ‘Bem –aventurada és tu, Maria, que eu aperfeiçoarei em todos os mistérios do alto; tu, cujo coração está voltado para o reino dos céus mais que todos os teus irmãos”, acrescenta Frei Jacir.

Outra passagem, que mostra o poder de liderança de Madalena, revela e explica os ensinamentos do Mestre aos discípulos em relação ao pecado, afirmando Jesus não haver pecado, que nascemos em estado de graça, sem ‘pecado original’, mas que mais tarde o adquirimos, conforme os hábitos de nossa natureza que se torna adulterada, que perde a graça. Pedro ficou bravo e perguntou aos discípulos: ‘Será possível que o Mestre tenha conversado assim, com uma mulher, sobre segredos que nós ignoramos? Devemos mudar nossos hábitos e escutarmos todos essa mulher? Será que Ele verdadeiramente a escolheu e a preferiu a nós? Madalena então chorou e perguntou-lhe: ‘Meu irmão Pedro, o que é que tu tens na cabeça? Crês que eu sozinha, em minha imaginação, inventei essa visão, ou que a propósito do nosso Mestre, eu disse mentiras?’ Levi tomou a palavra e disse: ‘Pedro, tu sempre foste um irascível; vejo-te agora te encarniçar contra a mulher, como fazem nossos adversários. Pois bem! Se o Mestre tornou-a digna, que és tu para rejeitá-la? Seguramente, o mestre a conhece muito bem. Ele a amou mais que a nós. Arrependamo-nos e tornemo-nos o Ser humano em sua inteireza’. De acordo com o frei Jacir, isso significa, unamos o masculino e o feminino dentro de nós. E Levi termina convocando os apóstolos a partir e anunciar o Evangelho, sem estabelecer outras regras e outras leis. E os discípulos saíram para anunciar o Evangelho segundo Maria Madalena.

Em termos de relação de gênero, podemos falar de duas vertentes de interpretação da pessoa de Cristo, dois Cristianismos, uma ligada às mulheres, que seria o Evangelho segundo Maria Madalena e outros apócrifos e outra, ligada aos homens, aos apóstolos, aquela que venceu disputa teologal, colocando de lado a mulher. Abafava assim a liderança de Maria Madalena o que a transforma em uma prostituta. “Nos Evangelhos, que citam Maria Madalena, não é fica claro que ela seja prostituta. Os evangelhos canônicos falam de uma prostituta que beija os pés de Cristo, mas não diz que aquela prostituta era Maria Madalena. Os padres da Igreja interpretam esse texto dizendo que aquela prostituta que beijou os pés de Jesus era Maria Madalena e ninguém ousou mais duvidar dessa interpretação. Fazer de Maria Madalena uma prostituta significa minimizar o seu papel de liderança feminina no início do Cristianismo. Maria Madalena não era prostituta”, afirma frei Jacir.

Os ensinamentos do Evangelho de Maria Madalena. 

O Evangelho de Maria Madalena ajuda-nos a compreender a questão da leitura de gênero na perspectiva da mulher. Não temos o evangelho completo, pois algumas páginas se perderam. Destacam-se os seguintes pontos:

Matéria – Vivemos integrados na natureza, todos os elementos estão ligados entre si e a matéria retornará à origem da matéria. Viemos do tempo de Deus e para ele voltaremos.

Pecado – Não há pecado original, nascemos sem o pecado.O homem peca a agir de acordo com seus atos, de sua natureza que se torna adúltera. Em relação à mulher isso é bem pior, é mais cobrado, por exemplo, com relação à rejeição do corpo. A igreja sempre insistiu no pecado moral. A doença é conseqüência de nossa ação errada. Morremos porque perdemos a graça.

Maria Madalena foi proclamada, em 1050, padroeira de uma abadia de monjas beneditinas. A idéia seria mostrar que Maria Madalena se arrependeu e tornou-se eremita. Na França, ela é tida como padroeira dos perfumistas e cabeleireiros. Maria Madalena é celebrada pela Igreja Católica no dia 22 de julho. Ela é também a padroeira das prostitutas e inspirou muitos pintores, que sempre a retrataram como mulher pecadora, penitente, bela e formosa, velha e solitária, que unge Jesus, que ampara Maria, a mãe de Jesus. È Maria Madalena quem anuncia o ressuscitado, discípula que acompanha Jesus em sua agonia. De acordo com Frei Jacir, Madalena foi tratada, no decorrer da história cristã, como mito de pecadora redimida. De prostituta virou santa para morar no imaginário coletivo como mulher forte e exemplo de vida cristã. “Infelizmente, esse foi um bem, que para se firmar, teve que fazer uso de inverdades como a história de Maria Madalena, a prostituta”.