Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), dos quatro milhões de pessoas que são vítimas do tráfico humano para fins de exploração sexual, a maioria absoluta é composta por mulheres, crianças e adolescentes: eles alcançam a incrível marca de 86% de pessoas traficadas. Somente na cidade de São Paulo, 25 pessoas desaparecem por semana de acordo com a ONG Mães da Praça da Sé. Dessas, 20% são encontradas e a maioria é composta de idosos e portadores de deficiência mental. “Mas, e as meninas e as mulheres? Onde estão”, questiona Priscila Siqueira, da ONG Serviço à Mulher Marginalizada.
Geralmente, as vítimas têm entre 10 e 29 anos, vivem em situação de vulnerabilidade econômica, com baixa escolaridade e são solteiras, conforme o estudo da ONU. Um dado curioso: quem alicia as jovens com o objetivo de traficá-las também são mulheres. O tráfico de pessoas movimenta cerca de 12 bilhões de dólares por ano no mundo, ainda segundo a ONU, e é considerada a terceira fonte de lucros, atrás apenas dos tráficos de armas e de drogas. Priscila relata que, durante um encontro realizado em 2003 em Washington, reunindo representantes de 114 países, concluiu-se que se a situação não for revertida, o tráfico humano será a principal atividade ilegal do mundo em quatro ou cinco anos.
O número de casos registrados é muito baixo e essa parece ser uma questão dificultadora: entre 2005 e 2011, a Polícia Federal (PF) registrou apenas 157 inquéritos por tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual, enquanto o Poder Judiciário teve 91 processos distribuídos. É considerado tráfico de pessoas toda atividade de recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou acolhimento de pessoas em situação de vulnerabilidade, sob uso da força, ameaças e outras maneiras de coação, além de abuso de autoridade.
| Como funciona
Os aliciadores atraem as vítimas oferecendo boa remuneração, status, casamentos. Tudo com alojamento garantido. Além disso, um “banho de loja”. Antes de partir para Portugal, Espanha, Itália e Venezuela (destinos mais comuns), ficam em pequenos abrigos espalhados por 520 municípios brasileiros até receberem seus passaportes, normalmente falsos.
Quando desembarcam, têm os passaportes apreendidos e precisam pagar suas “dívidas” de alojamento, comida e roupas. O pagamento é feito na forma de “atendimento ao cliente”. A União das Congregações Religiosas Femininas da Igreja Católica e a ONU fizeram um cálculo que mostra que para pagar a passagem até a Europa e as roupas, a garota chega a precisar de 4.500 relações sexuais. Enquanto a dívida não é paga, a jovem não pode sair de lá. E isso raramente acontece.
| Estudo
Em parceria com o ministério da Saúde, a Universidade de Brasília (UnB) realiza uma pesquisa que busca relatar as dificuldades de brasileiros que caíram nas mãos do tráfico. O pesquisador Mário Ângelo da Silva percorreu alguns dos países europeus considerados os principais destinos dos traficados e diz que os jovens viajam por vontade própria, atraídos pela oportunidade de receber em euros e retornar ao país de origem sempre que quiserem. De modo geral, as vítimas brasileiras têm baixa escolaridade e idade entre 16 e 25 anos. Algumas delas conseguem pagar a viagem de volta, mas acabam não denunciando o que passaram por medo e vergonha. “A ausência dos registros é normal. Elas temem aparecer como vítimas ou como prostitutas”, afirma Ângelo. E completa: “Elas contam que apanham frequentemente e que são obrigadas a consumir drogas”.
| Ações
O Centro de Ação Cultural (Centrac), de Campina Grande (PB), lançou a campanha Não Deixe que Explorem seus Sonhos. A ideia é alertar as mulheres sobre o risco de propostas tentadoras para trabalhar no exterior. Já na Argentina, sob o slogan Sem Clientes Não Existe Tráfico, o ministério de Justiça e Direitos Humanos busca conscientizar as pessoas que fazem uso desses serviços e alimentam o crime de tráfico.
O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), em parceria com o ministério da Justiça, lançou este ano no Brasil a campanha Coração Azul, que visa mobilizar a sociedade contra o tráfico de pessoas. Para o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, “o tráfico de seres humanos é um ciclo vicioso que une as vítimas aos criminosos. Devemos romper esse ciclo com a força da solidariedade”.