Nélida Piñon, uma das mais importantes escritoras do Brasil, cuja obra é conhecida internacionalmente, em entrevista exclusiva à Persona Mulher, fala sobre sua trajetória, suas conquistas, e seu mais recente lançamento, Livro das Horas, no qual abre seu coração, numa reflexão sobre a consolidação da emoção humana. Carioca de origem galega, primeira mulher a receber o prêmio internacional mais importante da América Latina (Juan Rulfo), também a primeira a presidir a Academia Brasileira de Letras, foi eleita Embaixadora Ibero-Americana da Cultura, na Espanha. O título é um reconhecimento ao talento e à trajetória da escritora de duas culturas. Desde pequena se deixou invadir pelos fluxos da imaginação e da memória. “Eu, mesmo não sabendo o que era imaginação, me deixava levar pela voragem das ideias, dos pensamentos, das histórias, das narrativas”, relata.
Com a mesma naturalidade que narra os temas que marcaram sua vida no Livro das Horas, Nélida conta que sua paixão pela literatura foi despertada por seu fascínio pela vida dos personagens dos livros que lia. Quando pequena, aspirava ter a vida dos personagens, viver suas aventuras. Daí nasceu a vontade de contar histórias. “Fui municiada pela minha família a ler muito cedo. Meus presentes eram sempre o Tico-Tico e os Almanaques do fim do ano”, comenta.
Por volta dos oito ou nove anos, Nélida começou a contar suas histórias. Ela recorda que, nessa época, escrevia e ilustrava suas criações em folhas soltas, que depois costurava, formando pequenos livretos, e vendia ao seu pai. Com humor, diz que já deveria ter noção de direitos autorais. “Eu combinava o prazer por ele ver o que eu estava produzindo com os direitos autorais da minha obra. Essas coisas foram consolidando minha inspiração pela literatura, por contar histórias, narrar, pensar além do que eu podia. Imaginar que havia tantos mundos a minha disposição desde que eu desejasse ir ao alcance deles. Esse foi o grande princípio da minha narrativa, do meu desejo de ser escritora”, diz. Aos 12 anos, quando já se aventurava no mundo dos contos, sofreu, no seu dizer, o grande choque estético da sua vida. À época, ao retornar ao Rio de Janeiro após uma viagem à Bahia, onde acompanhada de seu primo Serafim, por insistência sua, conheceu a zona de Salvador. Fascinada pela multiplicidade de vida daquele lugar, considerado um antro do pecado, começou a escrever um conto sobre a paixão de um rapaz por uma prostituta. Durante a narrativa, Nélida se assombra com a frase que escreve. “’Ele a segue às pressas, correndo, subindo a ladeira íngreme.’ “O que me assustou não foi a redundância da frase, e sim, a sua banalidade. Eu não queria ser o que teria que ser para ser banal, para ser convencional, para consagrar as frases que não necessitam consagração, mas que merecem consagração quando elas passam pelo filtro da arte”.
O choque fez com que abandonasse as histórias por alguns anos para se dedicar à exploração de suas emoções e reflexões diante da arte e da vida. “Tudo o que eu pensasse, o que a imaginação ditasse, o coração, o sentimento, o mistério da arte, eu escrevia”. Rotina que adotou até o lançamento do seu primeiro romance, em 1961, o Guia-Mapa de Gabriel Arcanjo. Desde então, foram vários romances, contos, ensaios, crônicas, memórias e um infantojuvenil. A influência na sua obra, segundo Nélida, é de um conjunto da vida que vive. “Uma pessoa aberta para o mundo, como eu sempre fui, desde pequena, que viajou, que leu muito, que viu teatro, cinema, balé, ópera, com uma vida intensa e profunda, não pode se cingir a uma única influência. O mundo inteiro me influenciou, todos os livros de literatura, de formação, me deram um arcabouço muito sólido. Eu sou devedora a todos, considera.
| Instituição Literária
Ocupante da cadeira de número 30 da Academia Brasileira de Letras, vê na imortalidade o conceito da distinção, da perpetuação da obra. “Entrei na Academia não pela glória, mas pela memória”, reforça. No ano em que a casa comemorou seu centenário, foi eleita presidente, sendo a primeira mulher em cem anos a ocupar tal cargo. O presidente Antônio Houaiss passou por grave problema de saúde e teve que se afastar, e eu, como secretaria-geral da casa, assumi como presidente interina, passando a decidir e definir tudo. Coisas sérias. Os notáveis foram vendo que eu não era só a intelectual, a autora de livros, mas uma mulher de ação e de alta responsabilidade. Eles gostaram tanto que, no ano seguinte, no ano do centenário, fui eleita presidente”, destaca.
Precursora e feminista, acredita que o papel da mulher na literatura melhorou muito, principalmente no Brasil, mas não crê que exista uma real qualidade. Para ela, ainda suscita desconfiança ou, pelo menos, certa indiferença. “Tanto que, nas mesas redondas, é sempre na base das cotas: três homens e uma mulher, sendo que, às vezes, nenhuma aparece. Nesse sentido, nós somos minoritárias, ainda não somos plenamente legitimadas”, analisa. Em contrapartida, acredita que a ascensão feminina ao poder, a exemplo da Presidenta da República, das ministras do Supremo Tribunal Federal (STF), da presidenta da Petrobrás, dentre outras, demonstra que o brasileiro está começando a entender muito mais o esforço da mulher e sua capacidade. “Cada vez mais, cresce a crença de que a mulher é muito responsável com as coisas públicas, como ela é com a maternidade, com o lar e com a casa”, analisa.
| Reconhecimento
Vanguardista e revolucionária, a diva da literatura brasileira foi convidada a representar a deusa da sabedoria Atena, no vídeo de abertura dos Jogos Olímpicos no Brasil Rio 2016. Honrada pelo convite, diz que foi uma experiência maravilhosa, que possibilitou registrar sua admiração pela cidade do Rio de Janeiro. “Senti-me lisonjeada por fazer parte deste grupo de brasileiros reunidos para enaltecer a beleza desta cidade, e pude dar a minha interpretação pessoal diante de tanto esplendor. Tudo para mim constitui experiência de vida. Sou uma máquina de aprendizagem e, consequentemente, uma máquina que pensa o tempo todo”, afirma.
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